quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Jazz, chocolate e auto-erotização

Eu já fiz sexo disfarçado de amor e, algumas vezes, fiz amor me enganando que era só sexo. Agora estou sem ninguém. É sexta-feira e de forma surpreendente estou sem ninguém. Nenhum casinho de nada, o que é abismal porque sou muito fácil. Até demais. Me apaixono fácil, me entrego fácil, ponho tudo a perder muito fácil. É sexta-feira, eu devia estar me preparando para mais uma expedição romântica pela cidade, nem que seja pra voltar pra casa com um estranho, todo cheio de adrenalina, descompostura e medo do perigo. Como um pequeno felino imaturo e sapeca eu me enrolo todo na linha que separa o certo do errado. Dia desses eu me enforco sem volta.

Passei na mercearia e comprei pão, frango e brocólis. Chove diagonalmente e eu me acuo pelas calçadas grafitadas, protegido apenas pelo meu gorro escuro, que faz uns moradores me confundirem com um ladrão de carros. Não sou isso. Tenho o espírito branco feito algodão-doce, sou tão ameaçador quanto aqueles fantasmas camaradas que assustam as pessoas mas fundo só precisam de carinho e amor e atenção. Não sei se isso existe. Fantasmas. Ah, e carinho e amor e atenção também.

Depois de passar por um período meio “quem-se-importa”, eu admito: estou infeliz. Tão infeliz quanto alguém consegue ser, de chegar ao ponto de apostar que morrerei só. Estou com 25 anos. Tenho de aproveitar. Não é todo dia que se faz 25 anos e oito meses e treze dias. Só que não tenho nada pra fazer, não tenho ninguém, estou com vontade de nada. Provavelmente dormirei todo o fim de semana intercalando com alguns filmes que comprei semana passada. Nada de mais, só umas velharias do Woody Allen que eu ainda não tinha. Talvez eu dê algumas risadas. Talvez eu saia de casa, brevemente. Para buscar uma pizza califórnia do outro lado da rua, quem sabe.

Não vou abrir a porta a ninguém. Tenho cinco amigos com os quais gosto de estar, gosto de vê-los no meio das minhas coisas, mas sei que estarão ocupados neste fim de semana. Foram todos pra serra, à procura da felicidade gelada. Eu disse que não. O brabo de experimentar quase tudo na vida é que chega um momento em que você parece que já fez tudo, ouviu todas as canções, foi a todas as festas, provou todos os gostos, fotografou todas as paisagens. Eu e o mundo exterior estamos em litígio, nos separando aos poucos, às vezes apenas nos esforçando para manter as aparências. Foi-se a época de sexo, drogas e rock n' roll. Meu lema, nos últimos tempos, tem sido jazz, chocolate e auto-erotização.

Mas isso tudo não quer dizer que não estou a fim de alguém. Chega a doer. Estou apaixonado e sozinho, uma combinação bombástica, programada para me autodestruir em mais algumas semanas. Ela não sabe e nunca vai saber. A gente sabe quando não dá pé, mesmo que existam alguns chavões só pra contrariar. Meu ego é uma faixa de segurança – teoricamente, até foi feito para confiar, mas. Você até quer confiar. Mas não depende só de você. Qualquer bêbado no trânsito confia. Confie em si mesmo, que idiotice. Algumas mentiras são tão bonitas de se ouvir.

Gabito Nunes

sexta-feira, 23 de março de 2012

Chorar


Chorar. Chorar por tudo o que foi e não é mais. Chorar pelo que foi bom. Por tudo aquilo que deveria durar. Chorar pela paz perdida. Pelo sono em excesso, pelo estado de alerta. Chorar pelo medo, pelo receio, pela culpa. Chorar por tudo que tem direito. Pela janela respingada da chuva do ônibus, buscar conforto. Buscar redenção. Por tudo que foi. Por tudo que poderia ainda ser. Chorar pelo que não saberemos o que será.

José L.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Pedaços

Encontrar o amor é mágico. É reencontrar pequenas partes nossas que foram perdidas pelo caminho. É achar pedacinhos que desconhecíamos. É descoberta, chegada, estranhamento, partida. A gente fica meio atordoado com novidades que chegam a todo instante. Dá uma sensação de paz. E uma certa desconfiança: mereço tudo isso? Encontrar o amor é alívio. É ter a certeza que os dias não serão mais solitários. É saber que no começo, no meio e no fim vai ter alguém ao seu lado. Não um alguém qualquer, mas o seu amor. Aquele que vai estar ao seu lado até o último capítulo. Por mais longos que sejam os intervalos comerciais.

Clarissa Corrêa

Fique

"Vou te pedir que fique. Mesmo que o futuro seja de incertezas, mesmo que não haja nada duradouro prescrito pra gente. Esse é um pedido egoísta, porque na verdade eu sei que se nada der realmente certo, vou ficar sem chão. Mas por outro lado, posso te fazer feliz também. É um risco. Eu pulo, se você me der a mão."

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Perderia




"A verdade não me faz sentido! É por isso que a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo - para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder, eu te perderia.
"

Clarice Lispector

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Saberiamos

"Poderíamos casar , teríamos um apartamento, tomaríamos café as cinco da tarde, discordaríamos quanto a cor das cortinas, não arrumaríamos a cama diariamente, a geladeira seria repleta de congelados e coca-cola, o armário, de porcarias, adiaríamos o despertador umas trinta vezes, sentaríamos na sala de pijama e pantufas, sairíamos pra jantar em dia de chuva e chegaríamos encharcados, nos beijaríamos no meio de alguma frase, você pegaria no sono com a mão no meu cabelo e eu, escutando sua respiração. Eu riria sem motivo e você perguntaria porque, eu não responderia, saberíamos."

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Medo

Reconter, Zoloft, Fluoxetina, Paroxetina, Sertralina, Alenthus, Rivotril. Terapeuta, Psiquiatra, Psicólogo. Passei por todos. Tomei alguns que nem me lembro mais o nome. Sinto saudades da minha infância, com certeza não foi a melhor infância do mundo, mas foi minha. Me lembro sempre do sinal de saída da escola, meu avô me esperando no portão, então caminhávamos algumas quadras até a casa dele, lá já estava minha avó nos esperando com a mesa posta, e meu prato servido com minha comida predileta, que só ela sabia fazer. Sinto saudades, naquele tempo só perdia para minha irmã, que era mais nova e mais inteligente que eu. Nessa época eu tirava de letra, pois em jogo, havia apenas um pouco de atenção.

Hoje os medos são bem mais reais. Aprendi que as pessoas podem ser bem diferentes do que pensamos que elas são, entendi que quando desejamos ser maus, podemos sim ser. E quando descobrem nosso ponto fraco, é tarde demais. Descobriram meu ponto fraco, fui atacado onde mais dói. A linha inimiga não estava tão longe quanto eu imaginava. Não sei se você me entende, não sei se você sente, não sei se você vai sentir algo comparado ao que eu senti, ao que eu ainda sinto, ao que ainda me sufoca, ao que ainda me dói. Espero que não. Espero que não sinta, pois o fim da vida parece tão próximo. Todos os músculos se retraem, o coração acelera, os olhos pesam.

É horrível essa sensação estranha de que qualquer coisa, pode colocar tudo em risco, tudo em jogo. Que posso, podemos, ficar sem nada. E essas perdas, bem, essas perdas, nos alteram, nos mudam. A psicóloga sempre me diz: teus medos são velados. E eu sempre digo a ela: são, são sim. Falar de algo é fazer com que aquilo tenha mais força. Ela me olha e diz que não. Que essa "força" talvez só exista dentro de mim, e que eu devo ter calma, pois vai passar. Enquanto não passa, eu sigo com essa estranheza interna, que silenciosa, chega e me tira a paz.

José L.